O “Tudo”

A única coisa que, de fato, sabemos sobre a origem da existência é que quando a primeira pessoa de quem pudemos ouvir relatos chegou, Tudo já estava aí.

Religiões e ciência tentam explicar de diversas formas – umas mais e outras menos convincentes – mas, no final das contas, é o que cada um decide acreditar e levar pra si que terá mais peso e valor na hora de suas próprias decisões e, mais ainda, sempre haverá um vestígio de incerteza, um certo investimento de fé e a esperança crente que, de fato, aquilo que estamos vendo são, de fato, indícios reais, respostas verdadeiras e definitivas para aquilo que estamos buscando.

fato3
substantivo masculino
  1. ação ou coisa feita, ocorrida ou em processo de realização.
    “não se deu conta desse f.”
  2. algo cuja existência pode ser constatada de modo indiscutível; verdade.
    “o controle da poliomielite é agora um f.”
Mas ora. O que é a realidade? Como podemos saber com absoluto nível de certeza que não somos pequenas criaturas habitando o armário de um alienígena (MIB), criaturas controladas por um programa de computador (The Sims, Matrix), microorganismos dentro de um corpo muito maior ou fruto da imaginação de uma criança de oito anos com um gosto particular pelo caos e a destruição, mas um excelente talento para paisagens?
Jamais saberemos. E este é o único fato absoluto, indiscutível e universal – e este mesmo pode ser discutível, se levarmos a conversa a uma dimensão ainda maior em nosso questionamento existencial.
E, honestamente, não vejo muito sentido em ficar ansioso e angustiado, questionando-se por algo cuja resposta, muito possivelmente, jamais iremos saber (e se encontrarmos, ainda mais provável que seja post mortem – e pra isto, precisamos considerar que o post mortem existe para aquele morreu e entraremos num outro loop eterno de questionamentos sem respostas) e se dedicar a tais questionamentos, por mais divertidos e estimulantes que possam ser em diversos momentos, é também um caminho que, quando percorrido em excesso, afasta o sujeito da sua paz de espírito. Demanda tempo e energia – estes muito melhores aplicados em questionamentos mais objetivos e, talvez, simplórios, mas que nos trarão uma qualidade de vida muito maior.
Não estou dizendo que não é importante filosofar, menos ainda que devemos cessar os questionamentos. Sequer ousaria dizer que eu mesma não os faça, não me perca em conjecturas a respeito da origem de tudo, da existência, do motivo da vida. Talvez haja um propósito maior. Talvez, quem sabe?, tenhamos sido mesmo criados do barro por um ser fantástico que sabe de tudo e está em todos os lugares. Claro que me questiono. É natural querer saber de nossas origens. Mas quanto mais nos dedicamos ao “de onde vim?”, menos nos sobra tempo e energia para investir no “para onde quero ir?” ou no “como vou chegar lá?”
E no fim das contas, qual a real necessidade de saber a respeito de suas origens?
Deixaríamos de ser quem somos ou gostar do que gostamos por não sabermos de onde vieram? E se sim, seria isto mesmo um gosto ou apenas uma repetição de comportamentos? Esse “desgostar” seria pautado em quê, senão preconceito?

“O que chamamos rosa, sob uma outra designação
teria igual perfume. (…) Romeu, risca teu nome, e, em troca dele, que não é parte alguma de ti mesmo, fica comigo inteira.”

ROMEU E JULIETA, ATO II, Cena II

Nosso universo e nossa realidade são formados por nossas percepções daquilo que está ao nosso redor, de tudo o que conseguimos enxergar. Mas é importante ter a consciência de que sempre há muito mais do que podemos enxergar e só enxergamos aquilo para o qual olhamos. Estamos dispostos a lidar com o diverso, o novo? Estaríamos dispostos a olhar mais adiante?
“Tudo” é aquilo que está aí. Que sempre esteve e sempre estará. Aquilo que “é”.
Tudo que existe e está ao nosso redor, do qual fazemos parte. Que ficaria incompleto sem nós, mas não deixaria de existir. Aquilo que somos e os outros também são.
Tudo ao qual pertencemos.
Aquilo que enxergamos. E tudo o mais que nos recusamos a enxergar.
Esta é a criação do mundo, que a dor da divisão é como nada e o prazer da dissolução, tudo.” AL I:30

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Qual o sentido da vida? A que caralho viemos? Qual nosso “propósito maior”?

Esta pergunta, na verdade, além de nitidamente capciosa, tem também muitas interpretações possíveis.
O sentido de “missão” nos afeta em diversos âmbitos, seja se referindo a uma “missão primordial”, o propósito maior da existência per se, quanto, de uma forma mais objetiva, nosso papel dentro da sociedade, nossa “utilidade”, por assim dizer.

Qual a nossa função? Quais os nossos principais talentos?

Se conhecer é uma tarefa árdua e nossa tendência ao pessimismo – e toda a construção social em torno da necessidade e da admiração da qualidade da modéstia – nos leva a perceber e ressaltar antes as nossas falhas que nossas qualidades. Vemos nossos defeitos, mas ainda não nos enxergamos como indivíduos, como inteiros ou parte de um todo. E diante de tais defeitos, nos sentimos culpados e nos punimos. Tememos. Hesitamos.
À primeira percepção de que somos falhos, é quando iniciam os ciclos de auto-sabotagem que muito custarão a cessar. E entramos num ciclo vicioso de isolar-mo-nos do todo por medo de uma não-aceitação (de si e do outro). Um medo constante de “não pertencer” que faz com que evitemos esse pertencimento a todo e qualquer custo.

Mas antes de discorrer por esse caminho, é interessante ter um conceito do que é esse “todo”.

“Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída;(…) a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano.”

John Donne, Meditações VII