Daí que hoje eu tava voltando pra casa no metrô moscovita e meu iPod me pregou uma peça.
Acontece que, desde que cheguei cá em Moscou, tava numa abstinência insana de música. Primeiro que eu não tinha fone de ouvido, segundo que eu praticamente não parava dentro de casa em um horário razoável (e é super desagradável ficar ouvindo música de madrugada enquanto o dono da casa tá na vibe de dormir) e terceiro que eu não tinha um mp3 playerzinho vagabundinho sequer pra ouvir música na rua!
Minha vida, até então, era à base de música dos outros e zoada de metrô. E põe zoada! Porque o metrô de Moscou é o mais barulhento da história da humanidade, escreve aí. E eu estava ficando cinza. Muito cinza. Cada vez mais cinza…
…Aí eu me retei e resolvi comprar um iPod. Não que eu já não estivesse pensando nisto antes. E o fato de os impostos serem ridiculamente baixos aqui na Rússia (minha teoria é de que eles ainda não sabem lidar com o capitalismo) tornou tal aquisição de tentadora a incrivelmente irresistível em fração de segundos. É que ele é tipo dois terços do preço do resto da Europa e menos da metade da facada que se dá por produtos Apple no Brasil. Daí eu comprei né?
E lá fui eu feliz, bonita e serelepe encher meu iPod de felicidade quando, não mais que de repente, meu shuffle se deparou com uma música que eu não ouvia fazia um bom tempo. Não que eu tenha ouvido muitas outras, mas que essaí não tá no Grooveshark e eu nem sabia que ela estava no hd deste computador aqui. É Redenção, uma gravação bem chinfrim duma música muito da supimpa da banda de uns bons amigos meus lá em Sampa, com quem eu tive a honra de trabalhar nos meus últimos meses na Paulicéia. E daí que eu me dei conta que eu ainda não tinha ouvido o single que eles lançaram. Ed, meu querido emo baterista, me mandou o link tem coisa de um mês, quando eu já estava aqui em Moscovo, e pelos motivos (aka: desculpas esfarrapadas) supra-citados, ainda não tinha parado pra ouvir. Shame on me.
Mas, olha, ainda bem que não ouvi antes. Porque senão, não ia viver a coisa bonita que vivi hoje.
Coloquei o single no meu iPod e resolvi deixar a sorte me ditar as coisas. Pensei “vai começar a tocar na hora certa, no momento mais inusitado, quando eu estiver andando pelo meio da rua e, aí sim, eu vou saber a colé”.
Dito e certo.
Daí que hoje eu tava voltando pra casa no metrô moscovita e meu iPod me pregou uma peça.
Depois de um dia insanamente divertido, com pessoas fantásticas, um piquenique-festival woodstockiano no meio do parque, perto do rio e rodeado de árvores; depois de pular e gritar insanamente no show de Courtney Love; depois de relembrar minha vida inteira e todas as trilhas sonoras de minha adolescência; depois de estar me sentindo absolutamente bem, leve e feliz; depois de…. É. Foi bem aí que Redenção começou a tocar. E eu comecei a rir sozinha e entendi: chegou A hora de ouvir esse single.
Tirei meu iPod do shuffle e pus o single pra tocar. “Si mesmo”. Capa branca. Ficou lindo.
E do primeiro acorde, meu peito já foi se enchendo de felicidade. Uma felicidade melacólica, profunda, dessas que chega dói um pouco. E eu me senti assim mesmo, Vulnerável. Livre e cheia de sentimentos. Comecei a sorrir. Senti saudade dos meninos. Senti saudade de São Paulo. Me deu vontade de gritar.
Reina Sofia é a cara de São Paulo. A-CA-RA-DE-SÃO-PAULO. E eu me vi com vontade de me teleportar pra lá no mesmo instante.
Fui ouvindo e sentindo a música e vendo como o som deles tá maduro. Meu Deus!! Eles eram uns moleques!!
Eu sabia que eles eram bons. Sempre soube. Eu disse, disse mil vezes. Diria e direi mil vezes mais.
Putz, eu amo a voz do Amaury.
“É hora de conversar com Deus…”, os primeiros versos de Entre o cansaço e o sonho adentraram meus ouvidos, embalando meus pensamentos.
Um daqueles tiozinhos sem pernas que se arrasta num carrinho (aqui na Rússia tem aos montes) veio vagão adentro pedindo dinheiro. Ele olhou pra mim, eu sorri e disse que não tinha, sinto muito. Ele chegou perto e disse alguma coisa. Tirei um dos fones do ouvido e abaixei pra tentar escutar. Ele falou alguma coisa mais, que eu também não entendi. Fiz que não com a cabeça e disse ao velho “iá ni gavariú pa ruski”. Ele estendeu a mão para que eu apertasse e assim o fiz. Ele sorriu feliz e perguntou meu nome. “Nana. Nice to meet you.” Sorri mais uma vez. O velho aleijado ficou tão feliz! Continuava tentando falar comigo e eu dizendo “ni pani máiu!”. Ele apertava minha mão com tanta felicidade, parecia que não ia soltar nunca mais. Virou a bochecha e apontou. Eu dei um beijo nele e aquele velho se encheu mais ainda de felicidade. Daí ele pôs minha mão na cabeça dele e eu fiz um carinhozinho. Pedi um beijo na bochecha também e ele me deu todo feliz. Chegamos na próxima estação. Exatos dois minutos e cinqüenta e quatro segundos, pois foi exatamente quando Permita-se começou a tocar. Me despedi do meu novo amigo e segui viagem. A porta fechou e, a cada acorde, eu me sentia mais e mais viva, humana, inteira. E, de repente, aquele metrô não estava mais em Moscou, mas sim na linha verde paulistana, chegando ali na altura do Trianon-Masp. Me senti caminhando pela Avenida Paulista, o lugar em que me senti em casa pela primeira vez.
Si mesmo.
Uma orquestra agridoce que me traz uma nostalgia de tudo. De coisas que já vi e nunca vi. Um mergulho em mim mesma, de fato. Um repensar de vida, de rotina. Tenho estado bastante pra dentro estes dias…
Senti São Paulo me abraçando, senti aquele vento frio cortante de São Paulo no meu rosto. Senti cheiro de São Paulo. Senti o cansaço de subir a Cardeal Arcoverde e mudar pra Teodoro Sampaio, só pela impressão de ser ligeiramente menos íngreme. Me vi atravessando a Dr. Arnaldo, me vi…. Em Moscou. Minha estação chegou.
Ecos.
Remédios.
Desaceleram…
Caralho, eles puseram uma percussão do caralho aqui. Tempo quebrado. Meio psicodélico. Me lembra Júpiter Maçã, mas com menos ácido e mais sentimento. Não sei explicar… Caminhei pelos longos corredores e subi as escadas, olhando ao redor. Acendi um cigarro.
Nenhuma música combina com Moscou. Eu não combino com Moscou. Me peguei sofridamente nostálgica… Que saudade de São Paulo! Terminei de fumar meu cigarro e sentei no microônibus. Saudade de São Paulo…. Eu sei que ainda vou voltar pra lá.
“Quem diria que você iria chegar aí?”, junto com Caminho das Oliveiras vem a pergunta. Boa pergunta… Não, não foi de propósito.
Eu não pertenço a este lugar. Não, não pertenço a Moscou. Mas isto aqui é passagem e é parte do processo. Do meu processo.
Sinto saudade de São Paulo, mas não de viver a vida que vivi em São Paulo. Eu caí na zona de conforto. Meu relacionamento com São Paulo virou aquela coisa co-dependente de casais gordos que não fazem mais nada de diferente, que não cuida um do outro, nada disso.
Eu fui negligente, São Paulo me negligenciou. Normal. Às vezes a gente precisa morrer pra nascer de novo.
Fui crescer em São Paulo. Fui nascer em São Paulo.
Ainda preciso viver São Paulo.
Mas não, não agora. Ainda não.
Eu tenho uma meta em Salvador, uma missão. Tem algo que preciso completar…
(…)
Si mesmo me jogou pra dentro. Acho que era mesmo essa a intenção, não? E acho mesmo que todo mundo deveria experimentar esta sensação, principalmente se você mora em São Paulo. Assim mesmo. No metrô. Na rua. No ônibus.
O álbum pode ser ouvido em casa, no carro, em qualquer lugar. Mas ali, sozinho no meio da multidão, no fone de ouvido, pra si mesmo… É aí que você vai ouvir todas as texturas, todos os jogos, todas as nuances…… É aí que você vai entender qual é o lance.
Ouça.
Ouça mesmo.
E, se quiser se dar um presente, faça o seguinte: baixe o álbum e jogue dentro do seu iPod (ou do seu mp3 player vagabundo, tanto faz) e deixe lá. Deixe tocar.
Aceite de peito aberto esse presente que a Reina Sofia te dá – um mergulho profundo pra dentro de Si Mesmo.