O normal, o patológico e o belo

Segundo Rodrigues Branco (2007), o conceito de saúde engloba, desde sua gênese, fatores biológicos, sociais e psicológicos. Sadock; Sadock (2007) destacam quatro perspectivas possíveis sobre normalidade: saúde, caracterizada pela ausência de patologia; utopia, que concebe a normalidade a partir de um funcionamento ótimo do indivíduo; processo, onde múltiplos sistemas interagem, estabelecendo mudanças ao longo do tempo; e média, que considera os comportamentos como fenômenos distribuídos de acordo com uma curva normal (Curva de Gauss).

Na visão de Comte (1972), apoiado nos pensamentos de Broussais, a doença consiste no excesso ou na falta de excitação corporal. Assim, a doença se constituiria a partir das variações quantitativas dos fenômenos fisiológicos ou normais. Com uma visão crítica a Comte, Canguilhem (2006) pontua que uma média obtida estatisticamente não é capaz de definir aquilo que é ou não normal, pois não é possível perceber, observar e analisar o corpo através desta, e muito menos definir o que é ser normal ou patológico, doente ou saudável.

É irrelevante considerar apenas a dimensão orgânica sem também considerar a dimensão cultural, a identidade e a história de vida de cada sujeito. Essa “normalidade estatística” não é capaz de determinar se uma pessoa é saudável e, mesmo que seja possível identificar uma curva de normalidade, ela ainda assim é relativa: cada parcela de uma população encontrará diferentes situações e terá recursos distintos para lidar com estas, o que influenciará no desenvolvimento biopsicossocial de cada indivíduo daquela população. E o equilíbrio entre esses fatores biológicos, sociais e psicológicos é constantemente desestabilizado – e de diversas maneiras. A relação entre o normal e o patológico não se dá através da semântica do hipo/hiper, mas sim de uma variação qualitativa: o conceito de alteração é necessariamente vinculado à noção de homogeneidade  e de continuidade (CANGUILHEM, 2006). 

Canguilhem (2006) afirma ainda que é a indivíduos comuns que se atribui a responsabilidade de identificar outros seres como normais ou não. E quem define isso é um elemento também comum, dotado de normas comuns, em uma rotina cuja dinâmica não é particular, mas grupal, onde os próprios indivíduos são tomados como parâmetro para distinguir-se o que é normal. Uma norma é fixada por uma norma e esta norma é normatizada exatamente a partir de uma decisão normativa. Assim, o patológico é aquilo que é identificado como diferente.

No entanto, sequer os fenômenos patológicos oferecem conclusões absolutas a respeito do que pode ser considerado normal. Não raro, reações distintas aos fenômenos normais fazem com que os indivíduos passem a ser lidos como anormais a grupos que antes viam seus hábitos cotidianos como normais e, ao mudar tais hábitos, são rotulados como doentes pelo fato de terem passado por transformações. Ao se analisar um fenômeno supostamente patológico, é necessário ter como base uma norma, e mesmo com esta, não se pode concluir definitivamente se tal fenômeno realmente é patológico.

De acordo com Morato (2002), a questão “normal X patológico” remete ao que Foucault chamou de “vontade de verdade” de um determinado período, salientando a necessidade de considerar a tradição filosófica do período sócio histórico em questão para então tentar compreender essa relação de “normalidade X patologia”. A exemplo, na antiguidade clássica a saúde seria um estado de harmonia e equilíbrio absolutos, ao passo de que a enfermidade seria uma perturbação advinda do mal, de maus pensamentos e comportamentos. Já o “normal” seria aquilo que é de conformidade.

Hutz et. al (2016) mencionam que até o séc. XIX, as questões comportamentais da infância eram consideradas de ordem moral e dificuldades cognitivas resultavam em marginalização. O final da década de 40 foi um período marcante nesse processo, mas foi no final da década de 60 que surgiu o termo medicalização, referindo-se à apropriação pela medicina dos meios de vida do homem, exercendo uma grande intervenção política na sociedade. 

Transformando modos de existência em patologias, a medicalização produz cuidados e instruções aos modos de viver dos sujeitos, retirando a sua autonomia, sua capacidade de pensar e de compor seus próprios cuidados. (SILVA; SCHÄFER; BONFIGLIO. 2013). Segundo Canguilhem (2006), o normal é não apenas coletivo, mas também coercitivo – condição necessária para estabelecer-se. A saúde seria, mais do que normalidade, a capacidade de adaptar-se às exigências do meio, havendo a possibilidade de criar e seguir novas normas de vida. Viver a normalidade é estar num meio com flutuações, onde novos acontecimentos são possíveis.

Foucault (1987) traz o conceito de “corpos dóceis”, onde expõe a docilização dos corpos como uma medida de controle sociopolítico. Efeito esperado pelo que chama de poder disciplinar, Foucault caracteriza como docilizado o corpo que tornou-se produto, comum e corriqueiro, arduamente trabalhado para que seja tão submisso como transformável e aperfeiçoável. Seguindo um pressuposto de que o corpo precisa ser economicamente útil e politicamente domável; obediente e produtivo; o corpo docilizado então vira apenas mais uma engrenagem na grande máquina do sistema, impessoalizado e submisso, silencioso porém produtivo, ágil, eficiente, útil. Cindido de si, o corpo é esquadrinhado, desarticulado, para então ser recomposto já adocicado, de forma a servir o sistema econômico.

Esse processo se dá através de técnicas diversas de dominação nos mais diversos âmbitos da vida de um indivíduo. A doença, portanto, não seria uma deficiência em uma faculdade específica, tampouco uma essência que surge contra a natureza daquilo que é tido como “normal”, mas sim a própria natureza da normalidade; uma inversão da compreensão de normalidade como algo desprovido de estranhezas; em uma sociedade que não se reconhece como tal. A sociedade então endossa o discurso de doença/doente mental de uma medicina normatizadora dissimulada sob uma empáfia científica que visa normatizar também o saber médico (FOUCAULT, 1987).

Essas relações de força agem e sempre agiram dessa forma, mas a Idade Moderna serviu de catalisador para tal processo de objetificação, quando o homem tomou para si o direito de explorar, escravizar e transformar a natureza de forma utilitarista, na qual o universo e todos os seres vivos passam a ser enxergados como máquinas governadas por leis matemáticas precisas (CAPRA, 1996). O poder muda seu alvo dos indivíduos marginalizados para a classe de trabalhadores e o corpo passa a ser minuciosamente investigado, treinado e moldado, passando por diversos estágios de confinamento e privação até que esteja absolutamente esgotado. Família, escola, religião, serviço militar… Todas essas estruturas ensinam ao sujeito desde cedo o seu lugar na estrutura de poder, aprendendo a ser obediente e produtivo, portanto lucrativo e fácil de direcionar. 

As instituições sociais surgem então como uma instância com a “grande missão” de “curar sintomas”, reeducar indivíduos desviantes para que possam ser reintegrados à normalidade, porém, desconsiderando que “curar” esses “sintomas” supõe uma revisão dos próprios esquemas alienantes presentes na sociedade que os produziu. Bleger (1984) traz à luz os esquemas de proteção que a sociedade tem contra qualquer agente que venha a perturbar a “normalidade”. De forma estrutural, a sociedade aliena fundamentalmente o que é produzido (bens de consumo, cultura, informação) de forma que a distribuição desigual entre seus membros mantém e alimenta esse modelo de precarização.

Conseqüência de um longo processo histórico, o padrão de valores e funções sociais bem definido retroalimenta uma estrutura que ao mesmo tempo que “reconhece” a inadequação, resiste a qualquer forma de mudança. Aqueles cujas formas desviantes perturbam o sistema são vistos como “sintomas” e estes devem ser erradicados ou curados. Assim, são dissociados da sociedade em um recurso defensivo que cria e alimenta o ciclo de alienação, um esvaziamento do ser humano que, marginalizado, é privado dos vínculos que poderiam propiciar segurança, gratificação e reparação.

Canguilhem (2006) salienta que não apenas não é a ausência de normas que define o estado patológico, afinal não existe vida sem normas, mas, mais ainda, que o estado patológico é também uma forma de viver. Rodrigues Branco (2007) ressalta que pensar a normalidade é, primeiramente, desconstruir o conceito de “normal” a fim de propiciar a ressignificação do Ser em sua pura essência, com suas características “normais” e “anormais”, individuais e coletivas.

Gestos simples são patologizados: se você está angustiado, você tem um problema mental. Se você verificou mais de uma vez se a porta está bem fechada, você é neurótico. Enfim, ser “normal” – beber, apaixonar-se, chorar, não controlar as pulsões e reconhecer o retorno do recalcado, saber que não se é senhor em casa própria, rirmos de nós mesmos, problemas escolares comuns, de relacionamento, a dificuldade de fazer um luto – tudo isso que nos torna humanos está sendo patologizado. Ser normal é uma patologia, cuja avaliação é ditada pelo DSM que prescreve os limites e as regras de conduta aos quais se deve responder. Toda essa forma de controle passou a ser padrão de normalidade. Você está fora da norma?

(CECCARELLI, P. R., 2010, p. 125-136.)

De acordo com Amaral (1994), a construção sócio-histórica da metáfora do monstro é utilizada desde tempos imemoriais frente ao insólito, ao anômalo, ao desviante. Valores que cristalizam o estigma àqueles que têm um corpo diferente ditam as interações interpessoais, olhando para esses corpos com perplexidade, estranheza, atração, repulsa, fascínio, terror, rejeição, negação. Isto se daria pois aquilo que é estranho, anormal, que está fora das normas é também ambíguo. O anômalo está entre aquilo que é próximo e predizível e aquilo que está distante, fora de nossas preocupações. E algo em nossa proximidade imediata que está fora do nosso controle é combustível para a insegurança, gerando inquietação e representando a consciência da própria imperfeição, sendo compreendida como uma fonte de perigo. Aquele que vê espelha ali suas próprias limitações e suas castrações e, através do arquétipo do sobrevivente (que passou pela catástrofe e sobreviveu), traz à consciência a tragédia em potencial, uma ferida narcísica em cada membro de cada comunidade. Um conflito não camuflável, representa ameaça, perigo, tão somente por ser anômalo, diferente, “feio”.

Segundo Estevão-Rezende et al. (2018) a indústria da beleza e os meios de comunicação são responsáveis por narrativas e discursos que constroem o corpo e a beleza ideais para a sociedade de consumo, conseqüência do sistema capitalista que produtifica e mercantiliza o ser. Para Foucault (1987), as dinâmicas de poder transformaram-se nos séculos XVII e XVIII e o poder soberano monárquico deu lugar ao poder disciplinar (horizontal), materializado nos corpos dos sujeitos. Com forte influência sobre a vida humana, o Estado assume então o controle sobre os corpos e mentes através do discurso médico-legal do bem-estar e da saúde populacional (biopoder), a fim de “compensar desvios”, combater o envelhecimento, padronizar a beleza e buscar o adiamento da morte.

A pretexto de promover a saúde, essa biopolítica normatiza as corporalidades, ditando formas de ser e agir, papéis sociais e padrões estéticos, que funcionam como mecanismos de inclusão e exclusão social. No século XXI, as indústrias farmacêutica, da mídia, da beleza e da moda potencializaram-se como responsáveis por ditar os ideais de corpo e beleza, influenciando as relações pessoais e profissionais, estas fortemente balizadas por critérios físicos e estéticos. Os aparatos e mecanismos de poder (públicos e privados) padronizam verdade, sanidade, sexualidade, desejos, corpos e identidades e aqueles que não se adequam aos modelos socialmente impostos são preteridos (GUIMARÃES, 2014).

Flor (2009) menciona o papel das revistas femininas na exploração do padrão de beleza e boa forma em seus conteúdos, relacionando-o ao status social. Construído por tais veículos de comunicação, tal padrão induz ao consumo de técnicas e produtos com preços elevados para a obtenção de um corpo bonito e saudável, sempre associando o padrão de beleza construído com magreza e status social. Para Bleger (1984), a personalidade do ser humano é o grupo ao qual pertence. Os grupos e os sistemas sociais seriam parte constituinte da personalidade de seus indivíduos, muitas vezes sendo a única personalidade que conhecem. Como afirma Perrot (2005, p.447), “o corpo está no centro de toda relação de poder. Mas o corpo das mulheres é o centro de maneira imediata e específica”.

Tal relação leva à busca pela construção de um corpo impossível e, muitas vezes, de maneira perigosa. A tentativa de estabelecer uma norma para que se possa afirmar a existência de saúde ou doença apenas transforma estes conceitos em um tipo de ideal vago e inalcançável, principalmente se for considerado que cada indivíduo é único em suas características. Em cada situação, o organismo pode produzir comportamentos completamente diferentes e há uma infinitude de possibilidades fisiológicas e contextuais no processo da vida (CANGUILHEM, 2006). O antigo desejo de construir um corpo belo, forte, desejável, saudável e perfeito acompanha a humanidade há muito tempo, mas hoje novas tecnologias possibilitam interferências muito mais agressivas. Do uso de anabolizantes a técnicas cirúrgicas de correção ou extração de gordura, inúmeras são as formas de arquitetar a beleza. No entanto os riscos são desconsiderados, e até o medo da morte pode ser suplantado por tais ideais (GUZZO, 2005).

Canguilhem (2006) defende que o patológico não possui uma existência por si só e que só é possível concebê-lo dentro de uma relação.  O indivíduo, ao avaliar as situações por ele vividas, tem sua consciência totalmente comprometida no processo, porque será ele que irá avaliar se é ou não capaz de exercer o tipo de tarefa que lhe é imposta. A saúde, portanto, é como um sentimento de segurança na própria vida, e cada indivíduo teria sua concepção do que é normal para si. Quando o processo de modificações é tão intenso que o indivíduo já não se reconhece mais no seu ambiente, a doença se estabelece, interferindo em seu desenvolvimento e comportamento, alterando a dinâmica do organismo como um todo.

Numa perspectiva existencialista, saúde e doença são etapas de um mesmo processo (MIRANDA, 2003). Ao buscar a compreensão das coisas como elas são, o método fenomenológico deixa de lado qualquer pressuposto, evitando rotular o indivíduo ou enquadrá-lo em uma categoria previamente estabelecida, rejeitando o modelo de normalidade estatística e tendo a relação de si consigo mesmo como referencial fundamental de sua normalidade (AUGRAS, 2002). Apenas ao tentar compreender a experiência como vivida e percebida pela pessoa é possível saber se esta se encontra num estado de saúde ou doença. 

Manso (2016) traz ainda a perspectiva de que não se pode dizer que uma pessoa é totalmente doente ou saudável. Apesar das aparências, um organismo que desempenha os seus papéis no meio pode estar adoecido, o que põe em xeque a visão reducionista do senso comum de que doença é aquilo que impossibilita o cumprimento das atividades cotidianas, enxergando todo adoecimento como o adoecimento do corpo (direta ou indiretamente), olhado sempre de forma distante, na terceira pessoa, despersonalizado e dissociado. Porém, não raro, as ações do dia a dia tornam-se automatizadas e a pessoa as executa sem dar-se conta de si mesma, inconsciente das próprias escolhas e falhando em perceber-se como senhora de seu próprio corpo e de seu lugar no mundo, podendo trazer um sentido de adoecimento como tudo aquilo que impede a auto realização.

Não obstante, frequentemente os determinantes do adoecimento psíquico são invisíveis ao sujeito e esse adoecimento pode ser enxergado como uma forma de o organismo dizer não à realidade como se apresenta. O contato constante do indivíduo com o meio gera um conflito natural que exige do organismo uma constante autorregulação. Caso o sujeito seja incapaz de diferenciar-se do meio, esse conflito pode consumi-lo em um comportamento estereotipado e invariante, parvo, desconhecedor de suas ferramentas e possibilidades, alheio ao ambiente e reagindo de maneira inadequada. A adaptabilidade é uma das habilidades do indivíduo saudável, que consegue interagir com o meio sem dissolver-se ou polarizar-se. De acordo com Augras (2002), a habilidade para recuperar o equilíbrio e superar a crise na relação com o ambiente é o que possibilitará avaliar a saúde do indivíduo. A relação saudável se dá quando o sujeito é capaz de utilizar sua capacidade criadora para transformar o meio inadequado em mundo satisfatório.

Uma vez adoecido, o organismo torna-se limitado, pois as exigências dos meios normativos nem sempre podem ser cumpridas e a incapacidade de atender a essas normas impostas é o que estigmatiza um como “anormal” (MANSO, 2016). Concepções (nem sempre realistas) exigidas pela sociedade permanecem cristalizadas, impossibilitando que indivíduos consigam sair da posição de párias na qual a sociedade os exilou. É necessário, portanto, que a ciência assuma a responsabilidade de questionar o papel da indústria e do capital na formação de indivíduos. O processo de medicalização e patologização trazido pelo avanço comercial das indústrias farmacêutica e midiática carece urgentemente de humanização e o ideal utópico de saúde precisa ser desconstruído peça a peça e com urgência.

A busca por tal ideal tende a tornar-se patológica por si só, onde qualquer desvio das condições pré-estabelecidas como válidas é intolerável, uma norma incapaz de transformar-se em outra norma (CANGUILHEM, 2006). O papel do profissional de saúde mental é, portanto, o de guiar esse indivíduo na compreensão de si mesmo e de sua relação com o espaço-tempo em que se insere, a fim de que possa ajustar-se criativamente, pois é na constante atualização do self que a expressão do funcionamento saudável se sustenta. É no esforço de buscar desenvolver-se satisfatoriamente na sua relação com o meio, sem bloqueios consigo ou com o ambiente (MANSO, 2016). É possibilitar que esse organismo encontre maneiras de ajustar-se por conta própria, sem que seja invadido pelo meio, mantendo o equilíbrio adequado entre ele e o resto do mundo, compreendendo e assumindo o espaço que lhe é de direito. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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AUGRAS, M. O ser da compreensão: fenomenologia da situação de psicodiagnóstico. 10 ed. Petrópolis: Vozes. (Trabalho original publicado em 1986), 2002. 

BLEGER, J. Psicohigiene e psicologia institucional. E. Diehl & M. Flag, Trad. 1984.

CANGUILHEM, G. O normal e o Patológico. 6ª edição, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2006.

CAPRA, F. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 1996.

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COMTE, Auguste. Opúsculos de filosofia social. São Paulo: Edusp; Globo. 1972

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FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes. 1999.

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FLOR, G. CORPO, MÍDIA E STATUS SOCIAL: reflexões sobre os padrões de beleza. Revista de Estudos da Comunicação, [S.l.], v. 10, n. 23, nov. 2009. ISSN 1982-8675. Disponível em: 

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GUZZO, M. RISCOS DA BELEZA E DESEJOS DE UM CORPO ARQUITETADO. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, vol. 27, núm. 1, 2005, pp. 139-152 Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte Curitiba, Brasil.

HUTZ, C. S., BANDEIRA, D. R., TRENTINI, C. M., & KRUG, J. S. Psicodiagnóstico: Avaliação Psicológica. Artmed Editora, 2016.

MANSO, J. G. da C.. GESTALT-TERAPIA DE CURTA DURAÇÃO. MODELO JORGE PONCIANO RIBEIRO: UM ESTUDO DE CASO. UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. INSTITUTO DE PSICOLOGIA. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura. Brasília, 2016. 

MIRANDA, W. B. SAÚDE E DOENÇA EM GESTALT TERAPIA. Brasília. Novembro de 2003. Disponível em: <https://core.ac.uk/download/pdf/185254418.pdf>. Acesso em: 02 de out. de 2020.

MORATO, E. M. In SILVA, Fábio L.; MOURA Heronides M. (org.). Direito à fala: a questão do preconceito linguístico. 2ª edição. Florianópolis: Insular. 2002.

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Tempo há.

Saudades de quando podia sentar e ler um livro por horas e dias e semanas, enfim. E eu posso, a verdade é esta. A verdade é que posso e jamais deixarei de poder, creio eu. Porque eu posso tudo. E tempo . Mas me faltam as ganas. Me falta concentração. Há muitas coisas, muitos estímulos, muitos incentivos e curiosidades ao meu redor.

A era da informação é também a era da sobrecarga. E de tanto consumir informações, nada fica. Nada fixa. A memória é algo cada vez mais fugaz…

Me deito. Silêncio…

Se eu ler um capítulo por dia, já está bom.

The Corona Diaries – pt. 1/?

The Corona Diaries, dia 2:

Acabou o tabaco. Juntei meus últimos reais, o potinho de álcool em gel e parti pra luta. No elevador, um aviso que vão limpar os tanques e faltará água por dois dias. Aperto o botão com o cotovelo e evito respirar muito. No térreo, abro a porta como quem entra em um centro cirúrgico. A portaria funciona normalmente, exceto pela porta de vidro escancarada ao fim do corredor. Aceno para o porteiro e saio pelos dois portões sem tocar na maçaneta. Alcugel na mão, cumprimento à distância o entregador de comida que ali aguarda e começo a caminhar. Duas moças vêm conversando na direção oposta. “Fica mais pra lá!”, penso eu enquanto me aproximo mais do outro extremo da calçada. No boteco da esquina, ouço de relance: “com essa história de vírus, não caiu o bafômetro, não?”. Continuo caminhando enquanto balanço a cabeça negativamente. Uma senhora muito idosa vem no sentido oposto e eu me afasto dela. Ela carrega algumas poucas sacolas de compras. “Minha tia, fica em casa…” penso eu, mas não digo palavra. Viro a esquina. Na lanchonete, a TV passa notícias sobre o Coronavirus. As poucas pessoas que trabalham ali normalmente estão presentes, sentadas, um pouco entediadas. Há três clientes sentados numa mesa externa e bebendo uma cerveja. A rua está movimentada, mas nem tanto. As pessoas cuidam para não se esbarrar umas nas outras. Uns poucos usam máscaras. Desses, alguns com a máscara no queixo ou na testa. Me dá muita vontade de tossir desenfreadamente ao passar por estes, mas contenho o impulso sádico. Uma criança põe a máscara no rosto e pergunta à mãe “está certo?”. Ela responde que sim sem olhar, está mais preocupada em olhar a rua que estão prestes a atravessar. A máscara, enorme, fica a uma distância considerável do rosto do pequeno. “Não. Está errado em muitos níveis. Eu deveria avisar alguma coisa..?”, penso. Sigo minha caminhada. Algumas lojas funcionam com as portas abertas. A escola de inglês tem trevos e leprechauns para todos os lados. Sorrio. “Álcool em gel 70% 500g R$20”, informa um cartaz improvisado numa folha de papel sulfite numa loja um pouco mais adiante. Na farmácia, um rapaz possivelmente alcoolizado e visivelmente transtornado tenta apertar a mão do segurança que o está pondo para fora. Senhoras de cabelos brancos entram nas lojas de sapato, as únicas clientes que vejo. Os comerciantes todos parecem tensos e entediados. As vendas devem ter caído bastante, mas eles seguem firmes em suas funções. Na academia, diversos jovens nas esteiras em busca de um corpo modelado e uma vida mais saudável. A Coronna Buffet e Eventos, no entanto, nunca esteve tão vazia… Em certo momento, há uma aglomeração de pessoas na calçada e fica difícil desviar completamente. Um carro passa ao lado e sinto um leve respingo de água. Assumo que é do limpador de pára-brisa, mas besunto toda a lateral do meu corpo em alcugel, na parte onde senti respingar. Amaldiçôo quem quer que tenha feito isso até a última geração: “tem noção de quanto tá custando isto aqui?!”, penso com meus botões. A tabacaria fica mais longe do que eu pensava, mas enfim a encontro. O tabaco que eu gosto custa 2 reais a mais do que eu esperava mas, por sorte, ainda tinha algumas moedas. Estúpida que sou, apóio a bolsinha de moedas no balcão para contá-las. Pego meu tabaco, enfio na bolsa, volto caminhando pra casa (não sem antes dar mais uma bela besuntada de alcugel nas mãos, claro). Acho que minha garganta está incomodando. “Nota mental: não mexer em nenhuma dessas coisas pelas próximas 48h”, estipulo uma meta que jamais serei capaz de cumprir. Dou risada. Volto caminhando para casa. Já na portaria, cumprimento o outro entregador que já está ali esperando e abro o portão sem tocá-lo. “Estou ficando boa nisto!”, penso enquanto faço o mesmo no segundo portão. Descubro que instalaram um dispenser de alcugel bem na sequência do portão. Sorrio, parabenizo, cumprimento o porteiro. Abro o elevador com a ajuda da saia… Não que vá adiantar muita coisa. Aperto o meu andar com o cotovelo, mais uma vez. Subo. Chego em casa, enfim. Os gatos vêm me receber, mas desvio deles e vou direto ao banheiro, lavar as mãos. Eles ficam meio putos, mas volto e cumprimento cada um. O alarme do celular grita e esperneia avisando que está na hora da aula: desligo-o. Tiro a roupa – já posso incinerá-la. Sento-me no sofá. “Preciso encher o baldão de água”, reitero pra mim mesma o lembrete.
É assim que começa o fim do mundo?

Tantas coisas

Palavras jogadas ao vento…

Tantas coisas, tantas coisas…

Talvez seja só o momento?

Tantas coisas… Tantas coisas!

Um antigo questionamento

Em nova roupagem, disfarçado de discernimento

Tantas coisas, tantas coisas…!

Como posso relaxar?

Tantas coisas.. Muitas coisas!

Chegam até a sufocar

E um constante pensamento

De acalanto e acalmamento:

Vai passar… Vai passar…

Um certeiro movimento de fazer as pazes com o tempo…

…e as tantas coisas qu‘inda hão de passar.

Listening to: Flight by Afro Celt Sound System @ Spotify

Lattes

Aaaah, que ansiedade que me dá, atualizar o Lattes, burocratizar. Repassar todas as coisas, tantos momentos de minha vida.

É por isso, então, que causa angústia? Remexer e revirar nas coisas, tantas, do passado, há tanto deixadas para trás..? Ou relembrar-me daquilo que me constitui, reconectar-me com minha essência, mostrar-me, outra vez, o tanto que já fiz e construí?

Conectar-me com meu passado, entender o meu papel, compreender quem eu sou por essência… e, então, prospectar o futuro.

“Depressão é excesso de passado, ansiedade é excesso de futuro”, dizem…

Hum. Tendo isto posto, atualizar o Lattes é a epítome do ciclo de retroalimentação Ansiedade X Depressão.

O Guardião

Trilha sugerida: https://www.youtube.com/watch?v=rtoPVlzySEo

A menina precisava de ajuda. Ela passava o diabo naquele lugar! Eles ficavam falando coisas bonitas, dizendo que era preciso amar e respeitar, mas o que eles faziam mesmo era matar a gente. Matava por dentro, mas matava por fora, também, às vezes. Matava mesmo.

E aí, no dia que a outra menina morreu, eu apareci pra ajudar. Não teve como salvar a menina, mas ela pelo menos conseguiu se despedir. Eu achei que tinha salvado, mas depois descobri que não salvei, não. Uma pena. Mas naquele dia ali eu vi que precisava fazer alguma coisa, se não ela iria morrer, também. E eu gosto muito dela, ela só tem eu. Eu preciso cuidar dela.

E aí, quando a outra menina morreu, o nojento de vestido quis fazer muito mais malvadeza com ela. Batia muito, bem muito mesmo. Coitada. E aí eu tentava ajudar, mordia ele, batia de volta, tirava ela de lá. Ele era forte. Mas eu mandava ela embora e apanhava no lugar dela. Dóia muito. Ele fazia outras coisas também. Eu não quero falar disso. Eu sinto muita raiva.

Ele tinha o demônio no corpo. Naquela época eu não sabia, mas eu tenho certeza que tinha. E cada vez que ele machucava ela, eu pensava em um jeito de fugir. E aí, quando eu finalmente consegui, aquele bicho esquisito me mordeu. Eu não sabia naquela época, mas depois descobri que era um vampiro. Foi por isso que doeu quando o sol nasceu.

Quando ele me mordeu eu fiquei com muita raiva e com muita fome, mas eu só conseguia pensar no nojento de vestido. E aí eu voltei pra lá e fui direto no lugar que ele dorme. Arranquei ele da cama de ceroula mesmo, e rasguei ele todo. Tem gente que diz que isso é errado, mas ele mereceu. E se eu não fizesse com ele, ele podia fazer de novo. Mas eu sei que eu morri quando o bicho-vampiro me mordeu. Eu senti que eu morri. E se eu morri e desmorri, ele também podia desmorrer de novo, então eu taquei foi fogo. Queimei tudo. Morreu muita gente e eu fiquei com pena, mas é que não tinha como avisar todo mundo. Eu fico triste com isso. Muito triste. Muito mesmo. Mas não tinha o que fazer. Não tinha mesmo. Ele precisava morrer muito bem morrido, porque aí ele nunca mais ia poder fazer aquilo de novo. Aquilo que me dá raiva. E aí eu queimei tudo e fiquei pra ver até o final. Demorou bastante e quando começou a aparecer o sol eu tive que correr no esconderijo da floresta bem rápido, porque doeu muito. Mas eu lembrava o esconderijo e eu consegui correr, então parou de doer um pouco. E aí, quando o sol foi embora de novo, eu voltei lá, e vi o resto da casa do monstro pegar fogo. Ainda estava queimando. E queimou muito, muito mesmo e foi bonito ficar vendo queimar. Na terceira noite foi que o fogo apagou. Era forte, a construção, mas eu queimei ela direito. Queimei tudo, tudinho. E depois esperei esfriar, pra ter certeza que não sobrou nada. Nada mesmo, nadinha. Aquele monstro desgraçado morreu. Eu peguei no que sobrou dele e senti ele queimando. Eu vi o que aconteceu. A menina viu um pouco também, coitada, mas eu consegui mandar ela pra bem longe. Ela ficou dormindo e é melhor que ela continue dormindo. Aí ela não precisa ver as coisas que eu preciso fazer. Assim ela não vê as coisas que eu vi.

Minha querida Sasha

Sasha, a sobrevivente

Minha querida Sasha

Trilha sugerida: https://www.youtube.com/watch?v=KHbkrHwy7I0

Os anos seguintes foram atrozes, mas Misha pouco sentiu deles. Sasha estava ao seu lado e a sentia cada vez mais próxima. E sua presença fortalecia Misha. Sasha era sorridente e adorável, apesar de um tanto desmedida com as palavras. Dizia o que pensava e isso muitas vezes as punha em confusões. Foi naquela época, mais ou menos, que começaram os apagões.

– Deixe de bobagem, Misha. Você precisa se cuidar! Eu não sou importante. – dizia Sasha constantemente.

Misha ficava muito brava quando Sasha dizia aquele tipo de coisa. Não sabia ela que era a coisa mais importante da vida de Misha? Não entendia Sasha que, naquele inferno em que vivia, Misha era seu único pedaço de paraíso..?

O tempo, para Misha, passava de uma forma estranha. Alguns dias pareciam desaparecer e, vez ou outra, ela aparecia em algum lugar que não se lembrava como havia chegado. Sasha ria das confusões de Misha e sempre dizia a ela que estava tudo bem. Elas liam, brincavam, estudavam… Aprendiam juntas diversos idiomas, novos e antigos. Sonhavam com o dia em que fariam dezoito anos, ambas, e iriam embora da Moldávia de uma vez por todas e para nunca mais voltar. Faziam aniversário juntas, pois decidiram assim. E como nenhuma das duas tinha a menor ideia de quando exatamente tinha nascido, parecia fazer sentido assim. Não sabiam, tampouco, de onde tinham vindo, mas certamente sabiam para onde queriam ir: América.

Ah, América! O novo continente… Tão grande… Tão belo… Tão, tão longe de Ştefan!

 

O incidente – Parte Dois

O Guardião

O incidente – Parte Dois

Trilha sugerida: https://www.youtube.com/watch?v=WXv31OmnKqQ

Se apanhava por tudo no Mănăstire Sfânta Teodora din Carpaţi. Por não pentear os cabelos, por não vestir a roupa apropriada aos domingos, por não comer toda a refeição, por comer rápido demais… A missa das 18h era rezada por Ștefan, do alto de seu cinismo, pregando valores de moralidade e caridade às crianças que ele mesmo molestava. E ele cobrava pontualidade, inclusive das crianças que, naquela tarde, ele molestara. E quando Mișa percebeu que Sasha não estava à sua espera, entendeu logo o que tinha acontecido: Padre Ștefan tinha escolhido ela. Sasha era a “ajudante” da vez.

Mișa correu em direção ao quartinho atrás da sacristia, onde Ștefan costumava levar suas presas. Nesse momento, pela primeira vez, sentiu que mesmo que não pudesse, precisava fazer alguma coisa. Mișa não tinha mais medo. Mișa era puro ódio. Tristeza, dor… e ódio. Ela correu com toda a velocidade que suas perninhas magricelas eram capazes de atingir. E chegou à sacristia esbaforida, já quase sem fôlego, e correu um pouco mais para alcançar a portinha no fundo da sala. Na sua imaginação, Mișa pegou um dos castiçais da sacristia, arrombou a porta com um chute e nocauteou o padre com um golpe certeiro na nuca, salvando sua amiga para sempre daquele monstro.

…A realidade, no entanto, foi muito mais cruel. Exausta, a pequena Mișa desmaiou pouco antes de atingir a porta, não conseguindo impedir a fatalidade que levaria à sua ruína e a completa destruição do convento.

Quando Mișa acordou, Sasha estava ao seu lado, em prantos, segurando suas mãos. Ela acordou assustada e abraçou a amiga fortemente, perguntando o que tinha acontecido, se enfim tinham se livrado do monstro. A garotinha ruiva respondeu triste, porém firme:

– Infelizmente não, Mishka. O monstro ainda vive. Mas estamos juntas, isso que importa. Se acalme, estamos juntas. Isso que importa!

A missa das seis ocorreu normalmente aquele dia. Ștefan impávido, proferia os versículos em um Latim impecável. Sasha e Mișa não estavam lá. Mișa dormiu com fome, ao lado de Sasha, e com o traseiro dolorido de tanto apanhar. Sentia-se aliviada, no entanto… Por algum motivo motivo, Sasha não apanhara. Deus deveria existir, afinal.

 

O incidente – Parte Um

Minha querida Sasha

Madrugada

A micro-anarquia de toda madrugada… O quase-silêncio que toma conta das ruas, a temperatura mais amena e a sensação de que tudo é possível e permitido.
Não falemos alto! Podemos incomodar o silêncio. Contemplemos o silêncio, instead!
Contemplemos a linguagem da falta de linguagem. Ou a micro-linguagem que rege a micro-anarquia. A surdina. O segredo. Todo mundo sabe! Mas não pode contar pra ninguém…