Miniconto de fadas aspirante a moderno.

(Miniconto, inspirado por quem eu descobri tempos depois ser o Jô Estrada.)

Era um dia como outro qualquer. Daqueles em que se sai de casa só pra não se arrepender de ter ficado.
Ela também não estava lá muito disposta a se arrumar, não. Pegou a primeira coisa que viu e vestiu. Comeu alguma coisa, prendeu o cabelo de um jeito meio estranho – só pra não ter que pentear. Saiu no sábado com sua roupinha de domingo.

Brotado do nada, ele estava lá. O cabelinho impecavelmente bagunçado, o sorriso mais lindo que ela podia se lembrar. O outro, o careca, estava sentado do lado. Era até seu conhecido, o tal careca. Boa pessoa e tudo o mais. Mas ninguém – nem ela mesma – entendia porque ela passava tantas vezes pra lá e pra cá, mas sempre do lado da mesa, dizendo alguma coisa.

Ele, com seu jeitinho tímido. Ela, o seu jeito bobo. Gostaram-se de princípio. Assim, como num conto de fadas.

Nunca mais se viram, embora voltassem lá todos os dias. Olhavam ao redor, na esperança de encontrarem-se assim, meio desprevenidos. Será que irão se reconhecer? Nem eles mesmos sabem. Mas mesmo assim, resolvem tentar.

Sentiam aquela praça como suas casas, os dois. Conheciam todos os seus personagens, seus amigos e moradores. Conheciam cada pedacinho daquela, a sua praça. Mas ainda assim, nem todo o conhecimento geográfico e antropológico a respeito da praça e do resto do mundo é de alguma utilidade quando o tal do destino não quer.
Quando ela chegava, ele tinha acabado de sair. Quando ele voltava, ela tinha cansado de esperar. Quando os dois chegavam, sentavam-se em extremos opostos daquela mesma praça. Chegou a ter uma vez, imeginem o absurdo!, que sentaram-se praticamente lado a lado. As mesas vizinhas. Mas olhavam pra direções opostas. Por qualquer motivo, não olharam pra mesa atrás. Não se viram, mais outra vez.
E aquela vigília incessante não acabaria por ali. Afinal, seus rostos estavam gravados na memória um do outro – embora não muito confiáveis, suas memórias ainda guardavam certas informações.
Ela não se lembrava de seu nome. Ele jamais escutara o dela.

Com o tempo, as freqüências diminuíram. Iam lá de vez em quando, olhavam ao redor… Muitas vezes, ficavam no bar do lado. Sempre davam uma olhada especial, esperavam-se encontrar. Uma esperança meio remota, ambos sabiam. Mas ainda assim, não queriam deixá-la morrer.

…Mas de nada adiantaria. As estelas queriam brincar de esconde-esconde com todos os dois. O mundo dos sonhos inteiro conspirava contra eles. Os ventos rajavam e bradavam, faziam de um tudo para mudá-los de direção. A lua brincava de tirá-los de seu percurso.
Tudo obra do Destino. Que sabia, era inevitável. Algum dia eles iriam-se encontrar. Mas não agora. Não poderia ser agora! Não.
Eles foram feitos um para o outro. Eles precisavam um do outro. O Mundo tinha planos pra eles, juntos. Um amor adolescente não poderia jogar tudo por água abaixo…

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